“Um violão em suas mãos vale por uma tribuna onde o grande orador emite suas idéias e seus conceitos”.
EDNA SAVAGET
SEBASTIÃO TAPAJÓS
o violão que flui como o rio
No barco do Rio Surubiú
Sebastião Pena Marcião, terceiro filho de sete irmãos, nasceu no dia 16 de abril de 1942, às 4h. Filho de Sebastião Carvalho Marcião, comerciante, e de dona Maria Pena Marcião, de prendas domésticas, paraenses, sendo avós paternos: José Fernandes Marcião e Maria de Sá Marcião; seus avós maternos eram: Benedito de Sousa Pena e Antônia de Sousa Pena. A história contada pelo violonista é que em um trajeto de barco entre a “Casa Primavera” (o mercado de seu pai no distrito de Alenquer), indo em direção à Santarém (no Estado do Pará). O ponto é uma várzea (um braço de Rio), onde desemboca o Rio Surubiú, um pequeno afluente do Rio Amazonas. O barco era de propriedade de seu tio Bebé Pena. No trajeto sua mãe entrou em trabalho de parto e Sebastião nasceu no barco.
Nessas circunstâncias, seu nascimento o teria imergido nos sons da Amazônia, que fizeram, eternamente, parte da sua música.
Aos cinco dias de nascido, Sebastião foi registrado em Santarém como se tivesse nascido em Alenquer. Ainda menino mudou-se para a cidade de Santarém, na confluência dos Rios Tapajós e Amazonas.
Segundo ele, adotou o nome artístico “Tapajós” em homenagem ao Rio Tapajós que banha a cidade de Santarém. Tapajós se considerava um santareno por ter crescido e vivido no município. Não é mera coincidência que a origem e a natureza da Amazônia vieram a ter enorme influência sobre seu trabalho.

Orla de Santarém, 1935
A partir de postagem de Ignácio Ubirajara Bentes de Sousa Neto
Sebastião teve uma infância comum como a de milhões de crianças ribeirinhas brasileiras. Fez a escola primária no grupo escolar Frei Ambrósio e escola secundária no Colégio Dom Armando, ali mesmo em Santarém. Mas ele não era uma criança comum. Seu ouvido muito especial foi influenciado desde tenra idade pelo violão que seu pai tocava ao anoitecer. Proprietário de um comércio de têxteis, alimentos, higiene e produtos de limpeza, medicamentos, além das atividades de plantações, em geral juta, malva e criação de gado, o “Seu Marcião” juntava- se aos empregados no violão e tocava à vontade. Sebastião se entusiasmava quando ouvia o violão do pai. O pai gostava de música, mas a mãe não queria que ele fosse músico. Só depois de alguns trabalhos profissionais foi que ela começou a aceitar.
De acordo com seu relato, Sebastião consertou o violão do pai que estava todo descolado devido à ação do clima quente e úmido da Amazônia e começou a tocar neste instrumento precário. Ao ver o interesse do filho pelo seu novo brinquedo, seu pai o presenteou com um violão novo.
Autodidata, começou a tocar entre os sete e os oito anos de idade. Aos oito anos, seu pai o encaminhou para ter aulas de violão com o professor, violonista e artista plástico João Fona, ao mesmo tempo em que Tapajós dava prosseguimento em seus estudos. Como violonista nato, reproduzia no violão as músicas que ouvia na única rádio de Santarém a Rádio Clube, ZYR9. A única fonte informação do que estava acontecendo fora da cidade.
Solenidade da Formatura do Curso Técnico em Contabilidade. Belém (PA), 1967.
Acervo do Instituto Sebastião Tapajós
Pelas ondas do rádio e pelo gramofone
Nesta rádio ele ouvia Dilermando Reis, Garoto (Aníbal Augusto Sardinha) e outros grandes violonistas. Inclusive, harmonizava algumas melodias que ouvia, mesmo sem ter conhecimento de teoria musical. É evidente que nos anos 40 e 50, ele também foi muito influenciado pelo que ouviu no gramofone de manivela da família. Naqueles tempos, quem não ficaria encantado com Dilermando Reis, Luiz Bonfá, Pixinguinha e Garoto?
Nos anos 50, Sebastião começou a estudar música formalmente com um professor particular, João Fona. Mas naquele momento, ele não se identificou com a teoria, o que ele realmente
queria era tocar. Entre dez e doze anos participou em Santarém de um grupo que tocou em casas noturnas, formado por músicos profissionais chamados “Os Mocorongos”, quando começou a faturar alguns cachês pela participação no grupo.
Havia, em Belém, a capital do estado do Pará, outro grupo com o mesmo nome. Com 16 anos Tapajós mudou-se para lá em 1958, a convite do professor Gelmirez Melo e Silva, fundador do grupo homônimo, onde, já nos anos 60, estudou teoria musical e harmonia com os professores Ribamar e Drago e depois com o professor Tácito de Almeida. Nesta época Sebastião também estudava contabilidade.

Apresentação em programa televisivo
Brasil, s/d
Acervo do Instituto Sebastião Tapajós
Um violonista na TV Marajoara
Em 1962, pela gravadora “Mocambo”, o grupo gravou o primeiro álbum, denominado “Baile de Estudantes” e, assim, iniciou sua vida profissional, apresentando-se em clubes sociais de Belém, recebendo modestos cachês. Neste álbum, Sebastião aparece com o nome oficial de seu registro de nascimento. A capa relaciona o nome das faixas e nomes dos membros do grupo de jovens participantes no álbum e as respectivas escolas onde estudaram.
Em 1963, Sebastião Tapajós formou um novo grupo com músicos e cantores profissionais da noite e gravou o LP “Apresentando Sebastião Tapajós e Seu Conjunto”, trabalho que antecipou
sua brilhante carreira como instrumentista. Neste mesmo ano, participou de um curso de técnica de violão por 33 dias no Rio de Janeiro com o professor Othon Salleiro, hospedando-se
na casa de seu professor.
As gravações desses dois álbuns, de 1962 e 1963, relembram o lindo período da juventude dos anos 60, com a interpretação de faixas que marcaram positivamente esse tempo, hoje quase inocente, transportam-nos para o passado, para uma década generosa, em que as músicas embalaram tanto os sonhos da juventude mais conservadora como aquela mais “avançada”, mais extravagante, rotulada de transviada, amante do rock’n’roll.
Os álbuns “Baile de Estudantes” e “Apresentando Sebastião Tapajós e seu Conjunto”, bem como as apresentações na TV Marajoara, apontam e antecedem uma jornada que viria a ser vitoriosa, com Sebastião Tapajós tornando- se um violonista reconhecido e consagrado no Brasil e no exterior como um dos melhores do mundo, quer pelo público, como pela crítica especializada nacional e internacional.
Do Brasil para o mundo
Tião em turnê pela América do Norte
Nova York, s/d.
Acervo do Instituto Sebastião Tapajós
Com seu talento, conseguiu no ano seguinte apoio para estudar na Europa, onde se formou no Conservatório Nacional de Música de Lisboa, em Portugal. Com isso surgiram diversos convites para se apresentar em concertos em Portugal e Espanha. Essa busca pelos estudos continuou no curso de guitarra (violão) em Madri, com Emílio Pujol considerado uma das maiores autoridade no instrumento na época. Além da continuidade nos estudos pelo Instituto de Cultura Hispânica ele permaneceu por algum tempo na Europa, mas retornou para o Brasil com enorme bagagem musical. O jovem músico da pequena cidade ribeirinha investiu corajosamente na sua carreira e em seu retorno foi logo nomeado professor de violão do Conservatório Carlos Gomes, em Belém do Pará.
Em meados da década de 60, Sebastião Tapajós viajou para os Estados Unidos para se apresentar no auditório da Universidade Brasileira de Nova York e quando voltou decidiu fixar residência no Rio de Janeiro.
Na década de 70, após se apresentar como solista do “Concerto para Violão e Pequena Orquestra” de Villa-Lobos junto à Orquestra Sinfônica Brasileira, começou a se interessar pelos ritmos populares e folclóricos do Brasil. Com isso foram surgindo outras oportunidades de apresentações em concertos e turnês pela Alemanha, Japão, Áustria, Dinamarca, Noruega e Itália. Também gravou uma série de programas para rádios alemãs e um especial de televisão que foi exibido para oito países.
As grandes histórias e as premiações
No início da década de 80, uma turnê brasileira daria projeção para retomar as apresentações europeias, com a participação do harmonista Maurício Einhorn, Zimbo Trio e os Percussionistas Joel do Bandolim, Djalma Correa e outros, além de ganhar diversos prêmios nacionais e internacionais, como “O Grande Prêmio do Disco do Ano da Alemanha de 1982” e o “Melhor Músico Brasileiro de 1992”.
Em meados da década de 90, com inúmeras apresentações internacionais, Sebastião também colecionava muitas
histórias para contar. Uma delas foi quando em uma viagem o seu bilhete foi emitido com o nome artístico Sebastião Tapajós, enquanto o seu passaporte constava o seu nome de registro de nascimento Sebastião Pena Marcião. Em razão desse episódio, resolveu acrescentar o “Tapajós” ao seu nome de batismo, com registro reconhecido em Cartório, passando a chamar-se Sebastião Tapajós Pena Marcião. Nesse período recebeu o prêmio de Melhor Músico Brasileiro, concedido pela Academia Brasileira de Letras.

Arismar do Espírito Santo, Sebastião Tapajós e Mauricio Einhorn
Gravação na Tropical Music Alemanha, 1984. Acervo do Instituto Sebastião Tapajós
Pescando de novo em Santarém
Ao longo dos 70 anos de carreira, dispõem de uma discografia que reúne mais de 80 álbuns gravados, sendo o primeiro em 1967, com o nome de Violão e Tapajós. Além de apresentações ao lado de artistas como Paulinho da Viola, Maria Bethânia, Zimbo Trio, Billy Blanco, Vinícius de Moraes, Gilson Peranzzetta, Nilson Chaves, Hermeto Pascoal, Baden Powell, Sivuca, Gery Mulligan, Paco de Lucia, John McLaughin, Oscar Peterson, Paquito D’Rivera, e Astor Piazzolla entre outros, Sebastião também tocava e pescava com muitos de seus amigos de Santarém, quando sempre voltava para descansar e tocar violão nos barcos e praias de seu Rio.
Em 2013, Sebastião Tapajós recebeu dois títulos de Doutor Honoris Causa, sendo o primeiro deles concedido pela Universidade Estadual do Pará (UEPA) e o segundo pela Universidade Federal do Oeste do Pará (UFOPA). Essa
honraria é concedida a pessoas que se destacam por sua atuação em favor das ciências, das artes, da cultura, das letras, das causas humanitárias, entre outros campos. Para satisfazer as vontades dos pais, o violonista concluiu na década de 60, o Curso Técnico em Contabilidade, pela Escola Técnica de Comércio da Fênix Caixeiral Paraense, mas foi à música e a arte que Tião dedicou sua vida até morrer à margem do Rio Azul Cristalino, que tanto amou.
Em 2017, ano em que completou 75 anos, fundou juntamente com amigos de Santarém o Instituto Sebastião Tapajós (IST), uma iniciativa para divulgar a obra do violonista e de outros artistas para dar espaço e visibilidade aos talentos locais. Nesse mesmo ano, Sebastião Tapajós, teve a música “Rei Solano” do disco “Aos da Guitarrada” incluída na trilha sonora da novela de maior audiência da época no horário nobre “A força do querer”, da Rede Globo.
Um encanto pelo sons das estrelas e das águas do rio

Dessirrè, Emmanuele (no colo de Tânya), Tânya, Maitê, Sebastião Tapajós e Sebas- tião Junior.
Solar dos Macambira (Santarém) 2002.
Acervo do Instituto Sebastião Tapajós
No dia 02 de outubro de 2021, o violonista Sebastião Tapajós aos 79 anos de idade, faleceu em um hospital particular, em Santarém, vítima de um infarto agudo do miocárdio, deixando a esposa, D. Tanya Marcião, as filhas Maitê, Dessirrè, Emmanuele e Sebastião Junior e os netos, além de um legado gigante para a humanidade, que este dizia precisar sempre de música.
Em 2022, foi aprovada a Lei no. 9.652, que reconhece a obra do músico Sebastião Tapajós como Patrimônio Cultural e Imaterial do Estado do Pará, além do reconhecimento do IST como
utilidade pública de Santarém e do Estado. Em 2023, foi realizado o primeiro festival de violões e criada a orquestra de violões Sebastião Tapajós. Pouco antes de seu internamento, Sebastião revelou que na realidade sempre foi encantado pelos sons: das estrelas e das águas do Rio.
O Museu Virtual Vida e Obra do artista vem eternizar este fluir eterno do sons eterno de quem nasceu para ser rio e música.

Férias em Santarém
Viagem no Barco Argus do irmão do Sebastião pelo Rio Tapajós.
Na imagem Sebastião Tapajós, Maitê e Sebastião Júnior, 1996.
Acervo Instituto Sebastião Tapajós
1942
2023
SEBASTIÃO TAPAJÓS
o violão que flui como o rio
Equipe do Museu sediada no Teatro Vitória
Santarém, 2023
Foto: Vanessa Barros
Acervo do Instituto Sebastião Tapajós
Direção geral
Cristina Caetano
Direção de Pesquisa e Extensão
Jackson Fernando Rêgo Matos Projeto Luz e Ação da Amazônia (UFOPA)
Coordenação da Equipe Técnica e de Pesquisa
Gefferson Ramos Rodrigues Historiador/ pesquisador
Direção de Arte, Design Gráfico e Consultoria de Museus em Ambiente Virtual
Frederico Teixeira
Arquiteto/ pesquisador
Pesquisa e documentação
Sandra Rosa
Museóloga/ pesquisadora
Conservação e restauro Antônio da Conceição Pacheco Neto
Produção Executiva
Franciane Aguiar Santana Matos
Equipe técnica de Pesquisa, Catalogação e Digitalização (Bolsista UFOPA/IST)
Fernanda Carolynne Peixoto
de Melo, Regiandrea de Jesus Lourido Xavier, Julyanne de Ávila Ferreira e Davi de Jesus Santos.
Curadoria da Exposição
Sandra Rosa, Gefferson Ramos Rodrigues, Frederico Teixeira, Jackson Matos Rêgo e Tânia Marcião.
Texto
Sandra Rosa, Ricardo Queiroz e Jackson Matos Rêgo
Avaliação de partituras
Andresson Dourado/Coordenador de Música da UEPA
Fotos do Acervo
Vanessa Barros
Desenvolvimento Web
Talita Santos
realização

Projeto financiado por Emenda Parlamentar do Deputado Edmilson Rodrigues.

apoio
